As Forças Invisíveis que Moldam o Agro — Capítulo 1: O Dólar manda no campo
Samuel, aqui vai o Capítulo 1 — direto, técnico e falado na língua do produtor.
1) Como a cotação do dólar dita o resultado da fazenda
No Brasil, quase tudo que forma o preço do seu produto “respira” em dólar: soja e milho tomam preço pela CBOT; carnes e café seguem paridade de exportação; fertilizantes, defensivos, óleo diesel e peças importadas têm custo em USD. Resultado: quando o real enfraquece (dólar sobe), a receita em reais do que você vende tende a subir mais do que os custos, porque o agro brasileiro é superavitário em divisas. Foi isso que a CEPEA/USP já apontou: aumentos do dólar favorecem o setor, elevando a receita convertida em reais mais do que o avanço de custos importados. [1]
O USDA (ERS) mostrou a mesma dinâmica com dados de 2005–2019: desvalorizações do real aumentam a orientação exportadora do agro, impulsionando volumes e competitividade. [2]
Regra prática: preço interno ≈ paridade de exportação.
Paridade (simplificada para soja, R$/saca):
Preço BRL/saca ≈ ( CBOT (US$/bu) × (60 / 27,2155) + basis (US$/saca) ) × PTAX − elevação − frete
2) Impacto nas exportações (soja, milho, carnes)
- Soja: preços no Brasil caminham em sincronia com a CBOT; o contrato americano é o principal hedge global e baliza Paranaguá. [3]
- Destino das vendas: em 2024, a China manteve-se o maior comprador do agro brasileiro (US$ 49,7 bi; ~30% do total), absorvendo ~73% da soja brasileira. [4]
- Carnes: o mercado dos EUA voltou a importar carne bovina do Brasil em 2016; as compras cresceram forte em 2024 e continuaram relevantes em 2025 até o choque tarifário (veja “Taxações 2025”). [5]
3) Exemplos históricos de alta/baixa do dólar e seus efeitos
- 1999 (câmbio flutuante): a desvalorização do real elevou a competitividade e abriu um ciclo de expansão do agro nos anos seguintes—efeito reforçado quando os preços internacionais subiram em 2002–2004. [6]
- 2015–2016 (recessão): real fraco → recordes de exportação e avanço de área com dupla safra. [7]
- 2020–2024: depreciações do real em crises reforçaram a paridade de exportação e sustentaram faturamento em reais, mesmo com fases de queda do preço em dólar. [8]
4) Cálculos práticos — do jeito que o produtor usa
(a) Soja — paridade com dados recentes
CBOT (2ª quinzena set/2025): ~US$ 10,45/bu [9] • PTAX (12/set/2025): 5,3677 R$/US$ [10]
Conversão: 1 saca = 60 kg = 2,2046 bu. Preço‑base (sem basis/frete): US$ 10,45/bu × 2,2046 = US$ 23,04/saca → × 5,3677 = R$ 123,66/saca. Se o real desvalorizar 10% (para 5,9045), com CBOT igual, vira R$ 136,03/saca (+10%).
(b) Milho — mesma lógica
CBOT (12/set/2025): US$ 4,30/bu [11]
1 saca = 60 kg = 2,3622 bu → US$ 4,30 × 2,3622 = US$ 10,16/saca → × 5,3677 = R$ 54,52/saca (antes de basis/frete).
(c) Custo em dólar — fertilizante (exemplo didático)
Ureia hipotética a US$ 350/t: com 5,3677 → R$ 1.879/t; com 10% de alta do dólar (5,9045) → R$ 2.066/t (+10%).
5) Estratégias de proteção contra a oscilação cambial (na prática)
- Hedge de preço em reais (travamento completo): (1) vender soja na CBOT/opções CME/B3; (2) vender dólar futuro na B3 (DOL/mini DOL) para neutralizar câmbio → fixa paridade em R$/saca. [3]
- Hedge parcial (apostando no dólar): travar só CBOT e deixar o câmbio aberto quando a expectativa é de real mais fraco (ou vice‑versa).
- Opções (puts/calls): proteger piso mantendo participação na alta.
- Basis management: negociar prêmios/deságios (FOB porto vs. local) antecipando janelas e logística. [3]
Taxações impostas pelos Estados Unidos em 2025 — o choque e o que muda para o produtor
6) O que aconteceu
- Abr/2025: EUA impuseram tarifa de 10% sobre importações do Brasil; carne bovina entre os mais afetados no 1º semestre. [5]
- 06/ago/2025: ordens executivas EO 14323 e EO 14326 elevam tarifa cumulativa para 50% (40% “Brasil‑only” + 10% “reciprocal”) na maioria dos bens, com exceções e cláusula “on the water”. [12]
- Efeitos observados: Café — exportações caem ~46–60% YoY em agosto/2025; Boi — reconfiguração de fluxos (EUA substituem parte do Brasil; Brasil redireciona a China/México/OM). [13, 14]
7) O que isso significa em números
Tarifa de 50% = +50% no custo do importador dos EUA (ceteris paribus). Ex.: café verde FOB US$ 200/saca 60kg → tarifa +US$ 100 = US$ 300/saca. A PTAX 5,3677 implica R$ 536,77/saca de “pedágio” — deprime demanda nos EUA e força redirecionamento, pressionando basis e fretes. [12]
8) Conexão com a história comercial Brasil–EUA
- Comércio bilateral de bens US$ 91,5 bi em 2024 (superávit dos EUA). As tarifas atingem parceiro relevante e podem transmitir custos ao consumidor (hambúrguer, solúvel). [15]
- Reabertura do mercado americano para carne bovina em 2016 consolidou o Brasil como fornecedor para ground beef; a tarifa de 2025 altera esse equilíbrio. [5]
Plano de ação (autoridade + chão de fábrica)
- Forme preço pela paridade e janela logística; monitore CBOT e PTAX diariamente. [9]
- Estratégia de hedge antes de plantar: travamento completo (CBOT + DOL B3) ou parcial. [3]
- Diversifique destinos: com tarifas nos EUA, priorize China e demais mercados; negocie basis com antecedência. [16]
- Teste sensibilidade no DRE: cada +0,10 no dólar adiciona ≈ R$ 2,30/saca na soja (com CBOT estável); em 10 mil sacas, ~R$ 23 mil a mais de receita bruta.
- Venda escalonada: tranches 20/20/20/20/20; combine fixação de base e opções.
Resumo executivo
- Fato estrutural: real fraco tende a elevar receita em R$/saca mais do que custos, dependendo do mix e da logística. [1, 8]
- Choque 2025: tarifas dos EUA (até 50%) reduzem a atratividade do destino americano, redirecionam fluxos e reprecificam basis/fretes. [12, 13]
- Resposta vencedora: paridade + hedge disciplinado + diversificação de mercados.
Referências
- CEPEA — Agribusiness and the dollar
- USDA ERS — Currency devaluation & exports
- CME Group — Global soybean prices & hedging
- AgroPages — China as top destination for Brazilian agribusiness
- farmdoc daily — U.S. tariffs on Brazil
- Ipea — Agricultural growth in Brazil (1999–2004)
- USDA ERS — Brazil’s momentum as supplier
- USDA ERS — Competitiveness under currency shifts
- CME — Soybean futures quotes
- Banco Central do Brasil — PTAX
- USDA AMS — Minneapolis Daily Grain Report
- Covington — U.S. tariffs and sanctions against Brazil
- Reuters — Coffee exports to US fall in Aug 2025
- Reuters — Tariffs reshape global beef trade
- USTR — Brazil country page
- Reuters — China clears imports of Brazil sorghum
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